DESEJANDO UM NOVO CONHECIMENTO
O que passava na mente do homem, na iminência da Queda, nos momentos
anteriores ao pecado original? Entre outras coisas, o desejo de um novo
conhecimento, o “conhecimento do bem e do mal”. Veja o que o texto diz: “disse
a serpente à mulher: certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele
comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e
do mal. Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era
atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento,
tomou do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também” (Gênesis
3:5,6).
O homem já conhecia o bem, pois vivia na presença de Deus. Mas o mal,
ele conhecia apenas de modo teórico, pois sabia que, no dia em que comesse do
fruto da “árvore do conhecimento do bem e do mal”, ele morreria (Gênesis
2:16,17). Mas, ao que indica o texto, não satisfeito com o esplendor do
conhecimento que já possuía, desejou outro, anunciado pela serpente que, no
fundo, não era nada além do “mal” que agora ele conhecia pela própria
experiência. Criado para a vida de comunhão com Deus, o homem fez mal uso de
sua vontade (AGOSTINHO, 2011, p.157), quebrando essa comunhão ao agir de modo
contrário à sua própria essência e natureza.
Antes de pecar contra Deus, o homem era dotado de excepcional
conhecimento. Ele fora criado para dominar sobre todos os animais e para
“subjugar” a terra (Gênesis 1: 26-30). Assim, não se imagina o conhecimento que
ele possuía sobre o mundo. Sua vida de harmonia com seu Criador e o mundo lhe
proporcionava um conhecimento sobre si que, nem de longe, se compara ao do
homem atual que, imaginando-se um descendente símio, não sabe sua origem, seu
destino e a razão de sua existência. Mas o homem tinha, ainda, outro
conhecimento, sobremodo elevado: ele conhecia seu Criador. Conhecimento esse,
incomparável às noções rústicas e turvas sobre Deus, esboçadas nas religiões e
mitologias criadas pelo homem.
Aquele ato contrário à sua própria essência levou o homem à perdas
irreparáveis quanto ao seu corpo, seu espírito e seu conhecimento. Desconectado
de seu Criador, o homem perdeu o conhecimento que tinha de si, do mundo e de
Deus. Agora, ele se encontra na escuridão espiritual e cognitiva e seu corpo
progride em uma trajetória que culmina na morte. Ele está preso ao mundo da
matéria e sem comunicação com o Reino espiritual de luz de seu Criador. Aquele
homem original, de antes da Queda, morreu.
De acordo com o texto bíblico, após comerem do fruto proibido, “os olhos
dos dois se abriram e perceberam que estavam nus”. Mas eles sempre estiveram
nus, o problema é que, após o pecado original, eles alcançaram uma nova visão
da existência, sem os parâmetros de compreensão que tinham antes da Queda. À
medida que as gerações se afastavam do primeiro casal, aquele conhecimento
inicial se dissipou e tudo se tornou novo e desconhecido. Um trovão, um raio
lhes causavam pavor . Para garantir paz e equilíbrio, eles os adoravam como
deuses. Mais tarde o homem vai afirmar que Deus não existe. O ser humano,
então, vai começar uma longa caminhada de construção de sentido para sua
existência no mundo, criando, inicialmente, a mitologia e, depois, a religião,
a filosofia e a ciência (MAIA, 2017, p.10).
Esses conhecimentos, porém, são imprecisos, pois são frutos de uma mente
caída. Novas percepções e descobertas vão sempre reformulando-os, de modo que
nunca chegam à “verdade”, isto é, ao conhecimento preciso, sem erro e
universal. Até mesmo o conhecimento científico, tão respeitado, não constitui a
verdade, mas apenas uma aproximação. São os próprios filósofos que dizem isso.
Kant, por exemplo, afirmou: “o homem não é capaz de um conhecimento absoluto...
não conhece o objeto como ele é em si mesmo, como coisa em si, mas apenas como
ele se manifesta, aparece, ou seja, como fenômeno” (KRASTANOV, 2013, P.48). É
também relevante que se diga que a ciência tem um limite. “Este limite não
consiste no que a ciência diz, mas no que a ciência não diz e jamais poderá
dizer. O conhecimento científico é parcial, enquanto não atinge a existência
profunda, mas a existência superficial” (MORRA, 2004, p.47).
O homem, então, ficou preso a essa existência, que é marcada pela
matéria e o pecado. Seu corpo, que é matéria, caminha em direção à morte. Seu
espírito, que já se encontra morto em relação a Deus, após desfeita a união com
o corpo, sofrerá “a pena de destruição eterna, a separação da presença do
Senhor e da majestade de seu poder” (2 Tessalonicenses 2:9). Assim, pelo
exposto, não há salvação para o homem e lhe resta apenas, como disse
Kierkegaard (2001, p.23), “viver a sua morte”. Contudo, Deus por seu muito amor
pela humanidade, fez o que era impossível ao homem, isto é, restabelecer o
contato Criador-criatura, revelando-se na pessoa do Verbo, ou seja, Jesus
Cristo, “que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo
a que devia apegar-se, mas esvaziou-se a si mesmo… tornando-se semelhante aos
homens” (Filipenses 2: 6,7).
Sim. Deus, na pessoa do Filho, tornou-se homem de carne e sangue e
caminhou entre os seres humanos. Foi tentado como Adão, mas, diferente dele,
venceu a tentação e viveu sem jamais desviar-se da vontade divina. Por isso o
Apóstolo Paulo o chamou de “o último Adão” (1 Coríntios 15:45). Morreu, mas
ressuscitou, abrindo desse modo um caminho para a humanidade retornar a Deus
(João 14:6). Assim, se alguém decide receber Cristo como a Verdade, já passa,
nessa vida, a desfrutar das bênçãos daquele conhecimento que Adão perdeu na
Queda, pois, como disse Paulo, falando sobre os cristãos: “nós temos a mente de
Cristo” (1 Coríntios 2:16). E esse mesmo Apóstolo escrevendo aos Colossenses,
disse que em Cristo “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”
(2:3).
Antônio Maia - M. Div.
Direitos autorais reservados
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Petrópolis - RJ, Ed. Vozes, 2011.
KIERKEGAARD, Soren. O Desespero Humano. São Paulo: Martin Claret, 2009.
KRASTANOV, Stefan Vasilev. Metafísica II. Batatais: Claretiano, 2013.
MAIA, Antônio. O Homem em Busca de Si - Reflexões Sobre a Condição
Humana na Parábola do Filho Pródigo. Amazon.com.br, 2017 (ebook).
MORRA, Gianfranco. Filosofia Para Todos. São Paulo: Paulus, 2004.
Comentários