EXILADO EM UMA NOVA EXISTÊNCIA







Em nosso livro O Homem em Busca de Si – Reflexões Sobre a Condição Humana na Parábola do Filho Pródigo defendemos a tese de que a Queda alterou a natureza original do homem, corrompendo os planos tempo/espaço e corpo/espírito que caracterizam seu ser. Ela distanciou o ser humano de si mesmo e o levou a exilar-se em uma nova existência. Tanto Adão quanto o filho pródigo se impuseram a um autoexílio ao comer o fruto proibido e ao deixar a casa paterna. Nessa nova condição, separado de Deus e da vida que tinha, o ser humano é apenas um prisioneiro no tempo, no mundo, no corpo e em si. 

Ao contemplar o universo, o homem se percebe um estranho nele. Criado para geri-lo (Gn1.28; 2.15,19,20), era dotado de grande conhecimento sobre ele, mas agora nada sabe. O relâmpago, o trovão e a imensidão do mar o assustam. A mudança em seu ser, causada pela Queda, fez o ser humano sentir-se banido neste mundo. Albert Camus, filósofo francês, ao refletir sobre essa questão, disse: “... toda ciência desta Terra não me dirá nada que me assegure que este mundo me pertence”[1]. 

Longe de Deus, longe de si, o homem criou um mundo ao qual se escravizou. À medida que o tempo passava, ele construía sistemas sociais para atender às suas necessidades. Assim, surgiram as estruturas religiosas, políticas, educacionais, legais, econômicas, cujo funcionamento fez emergir uma “verdade” que molda e formata o pensamento e a práxis humanos, dando, de certo modo, um sentido para a sua vida.  

Hoje, essas estruturas tolhem sua liberdade e autonomia, reduzindo-o a mero componente de uma grande engrenagem. Sufocado, então, realiza-se como pessoa no acúmulo de bens, em títulos acadêmicos e no desempenho de papéis que lhe confiram relevância. Mas, quando olha para si, sabe que vê apenas uma imagem e não o seu verdadeiro eu. Só a “Verdade” o libertará, pois a que emerge desse sistema não responde a seus questionamentos mais profundos.    

Santo Agostinho, em sua luta interior pela compreensão de si, revelou a clausura do homem em um eu que ele não entende. Angustiado por sua crise interna, entregou-se, sem sucesso, aos prazeres e às atividades agradáveis como forma de alívio, pois continuava a ver-se como “um lugar de infelicidade, onde não podia permanecer e de onde não podia afastar-se”. Em seu íntimo, perguntava-se: “para onde meu coração fugiria de meu coração? Para onde fugiria de mim mesmo?”[2]. 

Kierkegaard também falou desse estranho eu que vive no homem. Ele escreveu: “o homem deseja sempre libertar-se do seu eu, do eu que é... o constrangimento de ser este eu que não quer ser, é o seu suplício. Pois não pode libertar-se de si mesmo”[3]. Paulo, muito tempo antes, falou sobre essa incoerência interna com outras palavras: “pois tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo. Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer ...” (Romanos 7.18,19).  

Albert Camus, filósofo francês, ateu, descreveu muito bem a condição humana. Contudo, o autor da presente obra entende que a realidade descrita por Camus só se configurou após a Queda. Disse o filósofo: “quando tento captar este eu que me asseguro, quando tento defini-lo e resumi-lo, ele é apenas água que escorre entre meus dedos ... o fosso entre a certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que tento dar a essa segurança jamais será superado. Para sempre serei estranho a mim mesmo...”[4].  

Na verdade, o que esses pensadores estão querendo dizer é que há, no íntimo do homem, uma sensação de que ele está perdido. As coisas às quais o ser humano se apega, em busca de sentido, são como areia ao vento. Não se sustentam nem satisfazem os grandes questionamentos da vida humana. Por essa razão, o ser humano passa toda a sua existência em uma jornada em busca de si.

Antônio Maia – M.Div

Direitos autorais reservados

1.  CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Edições BestBolso, Rio de Janeiro, 2014, p.32

2.  AGOSTINHO, Santo. Confissões. Ed Vozes, Petrópolis-RJ, 2011, p.84

3.  KIERKEGAARD, Soren. O Desespero Humano. Ed Vozes, Petrópolis – RJ, 2010, p.25

4.  CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Edições BestBolso, Rio de Janeiro, 2014, p.32

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