A INEXORÁVEL PRESENÇA DA MORTE

 


Embora, todo dia, morram cerca de 147 mil pessoas no mundo[1], não conseguimos nos acostumar com a morte. De vez em quando, somos aterrorizados por ela com notícias de acidentes naturais, desastres aéreos e barbáries de guerras. Mas logo esquecemos tudo e voltamos a viver como se ela não existisse. O filósofo cristão Karl Jaspers, escrevendo sobre ela, disse: “...vivendo, não acreditamos realmente na morte, embora ela constitua a maior de todas as certezas”[2]. 

Por que agimos assim? Porque o que mais desejamos, neste mundo, é viver. O que mais queremos, nesta vida, é ser e a ideia de não ser, impressa pela morte, nos aflige. A noção de existência que temos, contudo, se restringe à vida entre os limites: nascimento e morte. Não temos lembranças de nosso nascimento, pois, segundo Jasper “quem se reconhece existindo tem a impressão de que sempre existiu”. Por isso, em que pese sua presença inexorável entre nós, vivemos como que inconscientes a ela, como se fôssemos eternos.  

Esse sentimento talvez seja uma reminiscência que a humanidade traz consigo da época anterior à Queda, isto é, da vida que existia antes de o homem separar-se de Deus. Pois, segundo as Escrituras, não era para a morte existir na humanidade. Deus criou o homem em estado de perfeição à sua imagem. O ser humano foi criado para uma existência eterna. Essa condição, contudo, dependia do uso que ele faria de sua liberdade, outro aspecto de sua semelhança com o Criador. Observe a orientação divina a Adão: “...não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá” (Gênesis 2.17). Ou seja, só morreria se comesse. 

Essa ordem era um limite à liberdade humana. Um ponto que mostrava que a humanidade deve obediência ao seu Criador. Mas o desejo de uma vida autônoma sob uma orientação própria levou o homem a comer do fruto proibido. A Bíblia chama esse ato moral de Adão de pecado. Aliado a isso, há o aspecto de que essa condição humana decorre da natureza intrínseca do homem. Ele foi criado para vida de comunhão com Deus. Agir de modo a quebrar essa comunhão significava contrariar a sua natureza e entrar em colapso. Assim, no ato da desobediência, a essência humana foi alterada e o homem passou a não mais suportar a presença do Criador, que lhe nutria a vida, vindo, então, sobre si, a morte. 

É nesse sentido que Kierkegaard, teólogo e filósofo cristão, dinamarquês, escreveu que viver significa “morrer continuamente”[3]. Isso porque a vida que o homem vive, distante de Deus, fere a natureza humana: ele foi criado para a vida de comunhão com Deus. Assim o homem, na verdade, vive a sua morte, pois a decisão adâmica o separou de Deus e, por conseguinte, de si próprio, do eu que era anterior à Queda[4]. Seu viver é um estado de morte, no entanto pode tornar-se vida se ele se reencontrar com seu Criador. Por isso o Apóstolo Paulo diz, em sua carta aos Efésios: “vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados... Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou deu-nos vida com Cristo...” (2:1-4). 

Esse é o maior problema do homem. Embora toda a ciência humana, ele não consegue acrescentar “uma hora que seja à sua vida” (Lucas12.25). Por isso, a morte é um dos temas centrais das Escritura. Por causa dela, Jesus veio ao mundo. Ele veio para eliminá-la do seio da humanidade. Por meio de sua morte e ressurreição Jesus a venceu (1Coríntios 15:47-58). O homem Jesus Cristo, pelo poder do Espírito Santo, foi o primeiro a ressuscitar dentre os mortos, abrindo, assim, o caminho de volta ao Criador. Por meio de Cristo a ressurreição entrou na humanidade. Nesse fato, nota-se o grande amor de Deus pelo homem.  

Antônio Maia – M. Div.

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[1] Dado da Organização das Nações Unidas.

[2] Extraído de Introdução ao Pensamento Filosófico, Ed Cultrix, 2011.

[3] KIERKEGAARD, Soren A. O Desepero Humano. São Paulo: Ed Martin Claret, 2001, p.23,24.

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