DEUS E O PENSAMENTO HUMANO
O que pode o homem dizer sobre
Deus? Esta questão de cunho não apenas teológico, mas também filosófico, pode
ser refletida a partir da descrição que o Apóstolo João fez do Criador, em sua
obra Apocalipse. O Apóstolo escreveu: “imediatamente me vi tomado pelo Espírito
e diante de mim estava um trono no céu e nele estava assentado alguém. Aquele
que estava assentado era de aspecto semelhante a jaspe e sardônio” (Apocalipse
4:2,3).
Então a “substância” do ser de
Deus é jaspe e sardônio? Obviamente que não. O próprio Apóstolo João afirmou,
em seu evangelho, que Deus é Espírito (João 4:24). Porém, como ele não sabia
como descrever Deus, então afirmou que Ele era semelhante a essas pedras
preciosas. João o vê como um ser esverdeado e, ao mesmo tempo, avermelhado e
transparente. Essa é a descrição que esse apóstolo fez de Deus com base na
visão que ele teve na ilha de Patmos, por volta do ano 95, ano do Senhor Jesus
Cristo (Apocalipse 1:9). O que se pode concluir dessa descrição joanina do ser
divino?
Primeiro que o ser humano nada
pode falar sobre Deus além do que Ele mesmo revelou ao homem. E Ele fez isso,
isto é, revelou-se, de dois modos: uma revelação natural que está presente em
sua criação, no mundo físico; e outra revelação, dita especial, que se deu por
Ele mesmo aparecendo a homens como Abraão e Moisés (Gênesis 12:1-9; Êxodo 3),
depois, por meio de profetas que Ele levantou entre os judeus e, por fim, pela
sua entrada, no mundo, na Pessoa do Filho, que recebeu o nome de Jesus, o
Cristo.
Segundo, e esta conclusão decorre
da primeira, que a sintaxe do pensamento humano recebe influência direta da
“existência” e, por conseguinte, de Deus, visto que a “existência” na qual o
ser humano vive foi estabelecida por Ele, o Criador. É por essa razão que João
fala de Deus a partir de elementos de sua própria “existência”. Razão essa que
infere que o Criador não é, exatamente, como o Apóstolo descreveu, embora sua
descrição demonstre um pouco da glória e da majestade divina.
Deus é mistério e está além da
compreensão humana (Jó 36:26). Ele se revelou ao homem apenas na medida em que
este pode compreendê-lo. Nesse contexto, Paulo fala de uma experiência
espiritual que teve, na qual “foi arrebatado ao paraíso e ouviu coisas indizíveis,
coisas que ao homem não é permitido falar” (2 Coríntios 12: 2-4). Ou seja, o
homem não dispõe do conhecimento total de Deus e de seu Reino, mas apenas o
suficiente para ele entender que essa “existência” terrena não é tudo que
existe e está contaminada pelo mal.
Essa relação entre “existência” e
pensamento é tão forte que todo o pensamento humano transcorre nas esferas da
criação divina. tudo o que o homem pensa tem influência do que ele vê e sente
no mundo. Assim, pode-se afirmar que tudo o que o homem pensa tem origem
profunda em Deus. Desse modo não há nada de original no pensamento humano.
Mesmo o pensamento dos grandes filósofos gregos e de todos os que os
sucederam recebem influências das concepções divinas. Até mesmo o
pensamento ateísta que afirma que “Deus não existe” encontra dependência
em Deus, pois tal afirmação só tem sentido na premissa de que “Deus existe”.
Assim, não há nenhuma área
autônoma no pensamento humano, pois o homem só existe em Deus e por causa de
Deus. Mesmo caído, mesmo separado de Deus por causa do pecado original, ele
depende de Deus. A vida que ele vive não é dele. É concedida a ele pelo Criador.
Sua postura anti Deus não decorre de um pensamento próprio e original, mas de
uma mente criada por Deus que foi dominada por um espírito de rebelião, que se
instalou nela, por ocasião do pecado original. Mesmo os que reconhecem a
existência divina e o mundo espiritual o fazem a partir de concepções
equivocadas e sua religiosidade se resume à idolatria.
O homem sem Deus é idólatra.
Cultua a criação, elementos da criação e ele mesmo. E, ainda há, outro aspecto
a considerar: de acordo com o Apóstolo Paulo, “o deus desta era cegou o
entendimento dos descrente para que não vejam a luz do evangelho de Cristo, que
é a imagem de Deus” (2 Coríntios 4:4). Isto é, Satanás, o anjo caído, trabalha
constantemente para afastar o homem de Deus. Por essas razões, o pensamento
humano caído não alcança o plano de existência divino, seu Reino de glória e o
próprio Deus.
O Apóstolo Paulo, no entanto,
afirma a possibilidade, em Cristo, de o homem caído ter sua mente transformada
a ponto de alçar pensamentos não apenas do mundo físico ou da imaginação caída,
mas também das “regiões celestiais” (Efésios 1:20;6:12) e do plano de
“existência” divino. Isso é possível por meio do arrependimento, isto é, da
postura do homem caído de reconhecer sua condição de pecado e entregar-se
totalmente a Deus. Essa atitude constitui o que Jesus e os autores do Novo
Testamento chamam de “metanóia”, isto é, “mudança de mente” [1]. O voltar-se
para Deus, produz, no homem, uma nova mentalidade de vida, marcada por “uma
mudança interior de mente, afeições, convicções e lealdades que se arraiga no
temor de Deus… [2].
Essa renovação da mente, da qual
fala o Apóstolo Paulo, promove um viver alinhado com a vontade divina,
corrigindo o problema causado, no ser do homem, pelo pecado original (Romanos
12:2). Derivada da fé em Cristo, ela resgata a visão inicial do homem de antes
do pecado original, trazendo a compreensão da “realidade caída” e o vislumbre
do Reino de Deus. Mas essa nova visão do plano de existência espiritual não é
plena, contudo, traz a esperança da glória futura. O próprio Apóstolo diz:
“agora, pois, vemos apenas por um reflexo obscuro, como em espelho; mas então
veremos face a face” (1 Coríntios 13:12). Por isso tudo o Apóstolo afirma que o
cristão tem a “mente de Cristo” (1 Coríntios 2:16). Assim, ante ao mistério do
mundo, o homem, em Cristo, tem a possibilidade de entender o mistério de
si mesmo.
Antônio Maia - Ph.B, MDiv
Direitos autorais reservados
GINGRICH, F. Wilbur e DANKER,
Frederick W.. Léxico do Novo Testamento. São Paulo-SP, Ed Vida Nova, p.134,
2005.
KROMMINGA, C.G.. Enciclopédia Histórico Teológica da Fé Cristã. São Paulo-SP. Ed Vida Nova, p. 120, 2009.
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