O HOMEM EM BUSCA DE SI
Não resta dúvida de que o homem é um ser desorientado e perdido em sua
existência. Não sabe de onde vem, nem para onde vai e muito menos por que está
no mundo. De acordo com a Bíblia, tal condição se estabeleceu quando, no
princípio, o ser humano se afastou de seu Criador. Por essa razão, vive a
reformular-se em diversos “eus”, como quem anda em busca de seu eu original.
Alguns filósofos cristãos como Santo Agostinho, Blaise Pascal e Soren
Kierkegaard refletiram sobre essa questão.
Agostinho, por exemplo, confessa que viveu um tempo distante de Deus:
“me dissipei e me reduzi ao nada, afastando-me da vossa unidade para inúmeras
bagatelas[1]. As paixões e as muitas atividades nos levam para longe não apenas
de Deus, mas também de nós mesmos. Perdemos o eu que éramos na presença de
Deus, quando nos afastamos dele. Agostinho, então mostra como o homem não
conhece ele mesmo. Ele escreve: “por isso, enquanto peregrino longe de Vós,
estou mais presente a mim do que a Vós”[2]... E que sou eu ó meu Deus? Qual é a
minha natureza? Uma vida variada de inumeráveis formas com amplidão imensa”[3].
Pascal, por sua vez, em sua obra Pensamentos, levantou esse
questionamento. Ele escreveu: “quem me colocou aqui? Por ordem e obra de quem
este lugar e este momento foram destinados a mim?”[4]. E essa é uma das fontes
do desespero humano: não conhecer nem o seu princípio nem seu fim. Mesmo assim,
ele mantém sua arrogância e altivez, embora seja “incapaz de ver o nada donde
foi tirado e o infinito que o envolve”. Assim, o homem é um mistério para ele
mesmo, principalmente, quando ele olha para si e não consegue “perceber o que é
ser corpo e menos ainda o que é ser espírito e ainda menos de que modo um corpo
pode estar unido a um espírito”[5].
Já Sören Kierkegaard foi um analista profundo do desespero humano.
Segundo ele, há duas formas de desespero. A primeira é a vontade de o homem ser
ele mesmo, seu eu original, mas não conseguir. Daí, deriva-se a outra forma de
desespero: não querer ser o eu que é. Por essa razão “o homem deseja sempre
libertar-se do seu eu, do eu que é, para se tornar um eu de sua própria
invenção[6]. É nesse ponto que se encontra o sentido da busca do homem por si.
O contexto aqui apresenta uma relação com o evento da Queda, do pecado
original, pois o filósofo faz, a todo momento, referência à natureza espiritual
do homem.
De acordo com esse pensador dinamarquês, em sua complexa obra O
Desespero Humano, o sofrimento humano decorre da “inconsciência em que os
homens estão de seu destino espiritual”. Para ele uma pessoa desperdiça sua
vida quando não atinge “a consciência de ser um espírito, um eu, por outras
palavras, que jamais consegue constatar ou sentir profundamente a existência de
um Deus, não tão pouco que ela própria, ela, o seu eu, existe para esse
Deus”[7].
Assim, esses filósofos, com suas reflexões alicerçadas na Revelação,
apontam um caminho para a solução desse problema humano. Pascal, por exemplo,
disse que há, no homem, “um abismo infinito que só pode ser preenchido ... pelo
próprio Deus[8]. Já Santo Agostinho, em suas Confissões, declara: “...nos
criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousar em
Vós”[9]. E Kierkegaard mostra “a fórmula que descreve o estado do eu,
quando deste se extirpa completamente o desespero: orientando-se para si mesmo,
querendo ser ele mesmo, o eu mergulha através da sua própria transparência, até
ao poder que o criou”[10]. Ou seja, o que esses pensadores cristãos estão
dizendo é que o homem se encontra consigo mesmo quando se reencontra com
Deus[11].
[1] AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo. Ed Vozes, p. 47
[2] AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo. Ed Vozes, p. 219
[3] AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo. Ed Vozes, p. 232
[4] PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo. Ed Abba Press, p.67
[5] PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo. Ed Abba Press, p.67
[6] KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. São Paulo. Ed Martin Claret,
p.25
[7] KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. São Paulo. Ed Martin Claret,
p.29,31
[8] PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo, Ed Abba Press, p.137
[9] AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo. Ed Vozes, p. 25
[10] KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. São Paulo. Ed Martin
Claret, p.20
[11] MAIA, Antônio. O Homem em Busca de Si. São Paulo. amazon.com.br.
p.100
Antônio Maia – M. Div.
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