MITO E REVELAÇÃO

Não poucos tratam como mitos as narrativas iniciais do livro de Gênesis. O estudioso, no entanto, vê essa visão apenas como um mero reducionismo. Os que assim pensam incorrem nesse equívoco por causa de certas semelhanças entre essas histórias bíblicas e os mitos mesopotâmicos. “Enuma Elish, por exemplo, muito se assemelha à narrativa bíblica da criação. A Epopéia de Gilgamés guarda estreita semelhança com o dilúvio bíblico. Já a Epopéia de Atrahasis contém similaridades com a narrativa de Gênesis 1 a 8: criação, rebelião, dilúvio”[1].

 Contudo, um estudo mais acurado sobre essa questão revela que ela é mais complexa do que se pensa. Para o estudioso do Antigo Testamento William La Sor, “essas semelhanças não provam nada além de um relacionamento de gênese entre os relatos bíblicos e os mesopotâmicos. As histórias do Gênesis em sua forma presente não remontam a tradições babilônicas. Os indícios, mesmos das correspondências estreitas entre as histórias do dilúvio, insinuam apenas uma influência difusa de uma herança cultural comum”[2].

Essas poucas correspondências são insuficientes para afirmar que as narrativas iniciais de Gênesis são mitos. O arcabouço mitológico se expande em uma direção diferente da bíblica, em um emaranhado de histórias desconexas, variando de cultura para cultura. Um estudo mais detalhado da literatura da Revelação e da mitologia evidencia que essa hipótese de que a Revelação é apenas mito não se sustenta. Existem fortes contrastes de estilo e conteúdo entre ambas. Os mitos apresentam uma linguagem confusa e desconexa, típica da visão turva e intuitiva. Já o Gênesis flui como poesia, firme e com a direção típica de um autor que domina o conhecimento, e isso ocorre porque lhe foi revelado.

Com relação ao conteúdo, o contraste se acentua ainda mais. Bíblia e mitologia têm apenas poucos pontos de tangência; o resto é conteúdo próprio. Esses pontos de contato, como afirmou La Sor, são lembranças comuns aos povos, pois eles as vivenciaram juntos, após a Queda, antes de se espalharem sobre a Terra. Os mitos são formulações humanas para explicar o mundo. Narram um cenário politeísta em que os deuses são apenas forças da natureza. Eles mentem, roubam, matam e praticam fornicação. Os homens, imersos em sofrimento e desesperança, nada mais são do que joguetes em suas mãos e só existem para servi-los.

Já, as narrativas do Gênesis, constituem conteúdo distinto da mitologia, pois foram reveladas pelo Criador a um povo que Ele escolheu. Elas falam da origem do universo e do ser humano como criação de um Deus único, santo e onipotente, que existe separado do mundo que cria. Diferente do que ocorre na mitologia, o homem aparece, na narrativa bíblica, como clímax dos atos criativos e dotado de honra singular. Além de ter recebido a imagem e a semelhança do seu Criador, vive em sua presença, em um ambiente de paz e harmonia. Essa dificuldade em aceitar a Revelação segundo o Apóstolo Paulo decorre do fato de haver nos olhos do ser humano caído um véu que o impede de enxerga-la. Só quando o homem “se converte ao Senhor, o véu é retirado” e, então, ele passa a discernir as coisas espirituais (2Coríntios3.12-18).

ANTÔNIO MAIA

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[1] MAIA, Antônio. O Homem Em Busca de Si. Amazon, São Paulo, 2017, p.52

[2] LASOR, William S. Introdução ao Antigo Testamento. Ed Vida Nova, São Paulo, 1999, p.21

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