SENHOR, EU QUERO VER
O evangelista Lucas registrou em seu evangelho um episódio em que Jesus,
acompanhado de uma multidão, aproximava-se da cidade de Jericó, quando um cego,
sentado à beira do caminho, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem
misericórdia de mim”. Ao ouvir o clamor do mendigo, ordenou que o trouxessem e
lhe perguntou: “o que você quer que eu lhe faça? Senhor, eu quero ver,
respondeu ele. Jesus lhe disse: recupere a visão! A sua fé o curou.
Imediatamente, ele recuperou a visão e seguia Jesus, glorificando a Deus.
Quando todo o povo viu isso, deu louvores a Deus” (18.35-43)
À época de Jesus, havia uma forte expectativa quanto à vinda iminente do
Messias. Este, porém, ganhou, ao longo do tempo, devido às sucessivas
dominações estrangeiras, um sentido político e militar. Os judeus acreditavam
que o Ungido viria para resgatar a glória do reino de Israel, entre as nações.
Por esse motivo, Jesus não aceitava ser chamado por títulos messiânicos, como
por exemplo “Filho de Davi”, principalmente, em público. Ele usava para si o
título de “Filho do homem”. Mas, nesse caso, Ele aceitou. Por que razão? Sua
fala ao cego indica a resposta: “a sua fé o curou”.
Jesus viu no mendigo a fé que abre a porta para a vida no Espírito. Ao
curá-lo, estava ensinando que o Reino de Deus só é alcançado pela fé e que a
realidade espiritual só é enxergada pelo que crer. É a fé que abre a mente
humana para enxergar as coisas espirituais. Em seu clamor, o cego mostrou que
não enxergava o mundo físico, mas já enxergava o espiritual, pois via Jesus
Cristo como divino, como o Filho de Deus. Não houve apenas uma cura da visão
física, mas também da espiritual. Quando aquele cego abriu seus olhos, viu, não
apenas um Galileu, mas o próprio Deus encarnado.
A humanidade, por ter se separado de Deus, é cega espiritualmente. Só
enxerga a realidade concreta. Para muitos Deus não existe, só há matéria. Os
que creem, fazem-no sem entendimento. Só poucos creem na Revelação, da qual
Jesus Cristo constitui o clímax. Mas a vida humana, segundo as primeiras
páginas da Bíblia, desenvolve-se em dois planos de existência: o material e o
espiritual. De acordo com as Escrituras, o ser humano é um todo único de corpo,
alma e espírito (1Tessalonissenses5.23). Por isso, no início, antes do pecado
original, o homem enxergava o mundo na plenitude dessas dimensões.
Contudo, essa visão da existência em que o material e o espiritual se
discernem concomitantemente se perdeu. Paulo disse em sua segunda carta aos
Coríntios que “o evangelho está encoberto” para o homem, pois “o deus desta era
cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da
glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (4.3,4). De fato, em Gênesis 3, a
“serpente” ao estimular Eva a pecar, disse: “seus olhos se abrirão”. E,
realmente, eles se abriram, mas para uma nova visão da existência, na qual o
homem passou a ter vergonha de si (3.10), ter medo de Deus e vê-lo como alguém
que o reprova (3.10), e a ser hostil para com o outro (3.12). A perda da visão
original o levou a mergulhar em uma realidade concreta e desconectada de Deus[1].
A fé desafia a racionalidade humana. Por isso, sem ela é impossível
aproximar-se de Deus (Hebreus11.6). Mas quando o ser humano se dispõe à fé,
Deus opera, no homem, o milagre para ele experimentar novamente a visão
original. Maria Madalena, no domingo da ressurreição, foi ao túmulo de Jesus e
conversou com ele, ressurreto, mas não o reconheceu. Pensava que fosse um
jardineiro, mas o Senhor permitiu que ela o reconhecesse e, assim, pode dizer
aos outros: “eu vi o Senhor” (João20.18). Paulo escrevendo aos Efésios, disse:
“oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de
que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da
gloriosa herança dele nos santos e a incomparável grandeza do seu poder para
conosco, os que cremos...” (1.18).
Antônio Maia – M.Div
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[1] MAIA, Antônio. O Homem Em Busca de Si – Reflexões Sobre a Condição
Humana na Parábola do Filho Pródigo.