PERMANECER EM CRISTO
No evangelho de João, capítulo 15, consta uma fala de Jesus aos seus
discípulos, na qual Ele se compara a uma videira e os seus seguidores a ramos
dessa árvore. Nesses dezessete versículos, o verbo “permanecer” aparece treze
vezes, o que revela a ênfase “permanecer em Cristo”. À uma primeira vista,
pode-se pensar que Jesus está falando sobre a necessidade de seus discípulos
permanecerem nele para não perderem a salvação.
A leitura pouco atenta desse trecho de João pode causar essa impressão,
afinal, Ele diz: “todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta... Se
alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais
ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados” (2,6). Mas não é sobre isso
que o Senhor está falando. É sabido que nem todos que se dizem cristãos e
frequentam a Igreja de Cristo são pessoas que tiveram um encontro com Deus, que
passaram pela experiência do novo nascimento, sobre a qual Jesus falou a
Nicodemos (João 3:1-8).
Olhando para os doze apóstolos Jesus, pode-se pensar que Judas foi um
ramo cortado, enquanto os outros tiveram que passar por experiência de poda,
antes de produzir frutos, após a morte e ressurreição de Cristo. Mas a vida
Judas revela que ele nunca entendeu Jesus e não se converteu. O mesmo ocorre
com muitos que estão na Igreja e esses não estão “em Cristo”, não permanecem em
Cristo. Jesus fala sobre isso em sua parábola sobre o joio e o trigo. O joio
está na Igreja, parece com o trigo, mas, na época da colheita, seu destino é
ser amarrado “em feixes para ser queimado” (Mateus 13:24-30). Jesus também
falou de falsos profetas e os comparou a árvores que dão maus frutos e que
serão cortadas e lançadas ao fogo (Mateus 7:16-20).
Já com relação ao trigo, isto é, ao cristão verdadeiro, Jesus diz: “e
esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que
ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (João 6:39)... as minhas ovelhas
ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna,
elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão” (João
10:27,28). Note, então, que Jesus não está falando sobre a possibilidade de um
discípulo seu perder a salvação, porque essa possibilidade não existe.
Poder-se-ia, então, pensar que Jesus está ensinando a necessidade de o
discípulo ser frutífero no serviço cristão, do contrário, pode ser cortado da
videira. De fato, Ele diz, claramente: “nenhum ramo pode dar fruto por si
mesmo, se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto se não
permanecerem em mim” (v.4). No entanto, também, não é sobre essa questão que
Ele discorre. O crente em comunhão com Jesus é, automaticamente, luz no mundo
e, de algum modo, está envolvido na obra de evangelização, no serviço cristão.
Sobre o que, então, Jesus está a ensinar?
Os frutos sobre os quais Jesus fala são aqueles atos e atitudes da vida
santa que glorificam a Deus e caracterizam o “novo homem” (Efésios 4.24). Às
vezes, aqueles que estão em Cristo estão, nele, de um modo distante como se não
estivessem. Estão vivendo no pecado. Então, agricultor, isto é, o Pai poda
esses ramos para que deem mais fruto ainda. O processo de poda é doloroso:
envolve limpeza e cortes de excessos. Falando sobre isso, o autor de Hebreus
diz que “o Senhor disciplina a quem ama e pune a todo que recebe como filho...
Pois qual é o filho a quem o Pai não disciplina? (Hebreus 12:6,7).
Este é um dos últimos ensino de Jesus aos discípulos. Logo Ele morreria.
Por isso fala sobre a essência da vida cristã, que é amar a Deus. “Se vocês
obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho
obedecido os mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço” (v. 10). Só a vida
de amor a Deus leva o discípulo a dar bons frutos, isto é, viver a semelhança
de seu eu original, perdido na Queda, revestido “do novo homem, criado segundo
Deus em verdadeira justiça e santidade” (Efésios 4:24). Isso envolve renuncia
ao pecado. Sobre permanecer em Cristo, Agostinho (2011, p.154) escreveu: “para
mim é bom prender-me a Deus porque se não permanecer nele também não poderei
continuar em mim”.
Antônio Maia – M. Div
Direitos autorais reservados
AGOSTINO, Santo. Confissões. Petrópoles, RJ: Vozes, 2011
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