NOSSA VIDA IMAGINÁRIA NO OUTRO












Uns mais outros menos, todos vivemos uma vida imaginária diante dos outros. Construímos uma imagem positiva e agradável para mostrar ao mundo. Assim fazendo, não somos nós mesmos, não vivemos nós mesmos. Essa face social com a qual nos relacionamos com as pessoas constitui, apenas, uma construção nossa, pois não queremos revelar o nosso verdadeiro rosto. Em momentos de introspecção, olhamos para nós mesmo e tomamos consciência de nosso verdadeiro eu. Mas logo voltamos à imaginação. Por que isso acontece?

O pensador francês Blaise Pascal escreveu sobre essa disfunção humana: “não nos contentamos com a vida que temos em nós e em nosso próprio ser; queremos viver uma vida imaginária na imaginação dos outros e, para tanto, esforçamo-nos em fingir. Trabalhamos incessantemente para conservar e embelezar nosso ser imaginário, negligenciando o verdadeiro ... a grande marca do vazio de nosso próprio ser é não estar satisfeito com um sem o outro e trocar muitas vezes um pelo outro” [1]. 

É a profunda alteração que aconteceu no ser do homem por ocasião da Queda. Corpo, alma e espírito, que antes existiam integrados, agora se encontram desalinhados. Em geral, a alma, insatisfeita com o corpo, procura mudá-lo por meio de dietas, exercícios e cirurgias. Deseja uma vida longa e intensa, mas o corpo não corresponde e progride em uma trajetória que culmina na morte. Desorientada, a alma humana faz uma leitura distorcida da realidade, pois não sabe quem é, de onde vem nem para onde vai. O espírito, por sua vez, separado de seu Criador, vive em angústia desejando reencontrá-lo, pois essa separação gerou uma condição amorfa de existência.  

Enquanto Pascal falou de um “vazio” no homem, decorrente da Queda, Santo Agostinho comentou sobre um “abismo”. “Ó Verdade, luz do meu coração, não me falem as minhas trevas. Por elas me deixei escorregar e obscureci-me. Mas mesmo no fundo desse abismo, sim, desse abismo, amei-vos. Errei, mas recordei-me de Vós. Ouvi atrás de mim a vossa voz a exortar-me a que voltasse...” [2]. Há “trevas” e um “abismo” no interior do homem, mas há também a “lembrança” de Deus que nos atrai para Ele.

Essa é a condição humana. Perdemo-nos de nós mesmos, quando nos afastamos de Deus. Tornamo-nos um ser diferente do original por causa de nosso afastamento de Deus. A lembrança interior do que éramos e de Deus nos fazem rejeitar nossa condição atual. Só o retorno a Deus nos permite a experiência de sermos “transformado com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito” (2Coríntios 3.18). E, então, podemos ser nós mesmos, livres, com a “face descoberta”, diante dos outros, pois nos definimos em Deus. É como disse Santo Agostinho, em suas Confissões: “por isso para mim é bom prender-me a Deus porque, se não permanecer nele, também não poderei continuar em mim” [3]. (texto redigido com base em nosso livro O Homem em Busca de Si – Reflexões Sobre a Condição Humana na Parábola do Filho Pródigo)  

Antônio Maia – M. Div.

Direitos autorais reservados

[1] PASCAL, Blaise. Pensamentos. Ed Abba Press, São Paulo, 2002, p.86

[2] AGOSTINHO, Santo. Confissões. Ed Vozes, Petrópolis-RJ, 2011, p.297

[3] AGOSTINHO, Santo. Confissões. Ed Vozes, Petrópolis-RJ, 2011, p.154

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