O MISTÉRIO DE CRISTO II
O Apóstolo Paulo, escrevendo aos Efésios, falou: “ao lerem isso vocês
poderão entender a minha compreensão do mistério de Cristo” (Efésios 3:4). A
relevância dessa observação de Paulo reside no fato de que, naquela época,
existia outro entendimento acerca do Cristo que havia de vir. O conceito que
dominava o pensamento dos judeus em geral e dos religiosos era marcado pela
noção de um Cristo político-nacionalista. Israel, fortemente secularizado
durante o período do reinado, desenvolveu essa noção devido, entre outros
motivos, à profecia de Natã a Davi (1Crônicas 17:12-14). Em face do julgo
romano, à época de Jesus, era forte a expectativa da vinda desse Cristo.
Certamente, por isso, os religiosos não identificaram Jesus, o carpinteiro de
Nazaré, como o Messias e decidiram matá-lo.
Essa palavra, “Cristo”, embora esteja profundamente associada ao nome
Jesus, funcionando, praticamente, como um sobrenome, é, na verdade, um título.
“Cristo” é a versão grega da palavra hebraica “Messias”, que significa
“ungido”. Era empregada, no Antigo Testamento, associada aos profetas,
sacerdotes e reis. Essa tradição da vinda de um Ungido para guiar o povo é
antiga. Já em Moisés, ela está presente. Moisés disse que o SENHOR, levantaria
um profeta como ele para os guiar e os orientar (Deuteronômio 18:15-19). Os
estudiosos entendem essa palavra mosaica tanto como uma referência a linhagem
de profetas que se sucederia, quanto como base para a expectativa messiânica
que se cumpre plenamente em Jesus [1].
Com respeito a essa concepção equivocada sobre o Messias, Pohl, citando
Hengel (Zeloten, p.297-307), afirma, em seu comentário do evangelho de Marcos,
que apareceram em Israel, naquelas décadas em volta da morte de Jesus, seis ou
sete messias zelóticos. Consta que alguns deles se consideravam da descendência
de Davi e, portanto, “rei dos judeus”. Em suas aparições, arregimentavam
seguidores e, depois, isolavam-se no deserto para campanhas armadas contra as
forças de ocupação romanas [2]. De fato, o evangelista Lucas deixou registrado
que Gamaliel, ao aconselhar o Sinédrio sobre o que fazer com os Apóstolos que
não paravam de pregar sobre Jesus, falou do aparecimento de Teudas e Judas,
reivindicando ser o Cristo, mas que o fim deles foi a morte em confronto com as
tropas romanas (Atos 5:33-39).
Muito embora os judeus esperassem um líder político-militar para os
libertar do domínio romano, as Escrituras são claras ao mostrar que a ação do
Messias não se restringiria a Israel. Sua missão teria implicações cósmicas,
isto é, teria influência sobre os seres humanos e todo o universo, toda a
existência. Com relação ao homem, o Messias prometido por Deus seria um líder
espiritual que viria, ao mundo, para livrá-lo dos efeitos do pecado original e
restaurá-lo à sua condição inicial de perfeição, o que permitiria o seu
reencontro com o Criador (Romanos8:28-34). Com relação ao universo, no tempo
certo, no dia do Senhor, toda a criação seria restaurada e conduzida a um
estado de perfeição sem os efeitos do pecado (Romanos 8:19-22; 2Pedro3:12,13;
Apocalipse 21 e 22).
Essa ideia já se encontra presente, no Éden, no momento da Queda, isto
é, do pecado original. De acordo com o autor de Gênesis, Deus disse à serpente,
que induziu o homem a pecar: “porei inimizade entre você e a mulher, entre a
sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça, e você lhe
ferirá o calcanhar” (3:15). Sobre essa declaração, os comentaristas da Bíblia
Nova Versão Internacional dizem: “o antagonismo entre os seres humanos e as
serpentes é usado para simbolizar o resultado da luta titânica entre Deus e o
Maligno, guerra travada nos corações e na história dos seres humanos. A
descendência da mulher acabaria esmagando a cabeça da serpente, promessa
cumprida na vitória de Cristo sobre Satanás – da qual todos os crentes
participarão (v. Romanos 16:20) [3].
Está claro que o messianato desse Cristo que viria, seria espiritual. O
foco não era Israel, mas toda a humanidade que ficou presa à condição de
decadência e morte eterna por causa do pecado original. Assim, quem vem não é
um grande líder ungido, mas o próprio Deus, em forma humana, concebido no
ventre de uma virgem pelo Espírito Santo, pois só Ele poderia resolver esse
problema. Desse modo, os que aceitam o chamado de Cristo passam a viver na
esperança de reencontrar com o seu Criador que se concretiza na visão joanina:
“...vi novos céus e nova terra... agora o tabernáculo de Deus está com os
homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos, o próprio Deus
estará com eles... Ele enxugará de seus olhos toda lágrima, não haverá mais
morte... Aquele que está assentado no trono disse: estou fazendo nova todas as
coisas” (Apocalipse 21:1:5).
Antônio Maia – M. Div.
Direitos autorais reservados
[1] BÍBLIA Nova Versão Internacional. São Paulo: Ed Vida. 2003, p. 293.
[2] POHL, Adolf. Evangelho de Marcos - Comentário Esperança. São Paulo:
Ed Evangélica Esperança, 1998, p.428
[3] BÍBLIA Nova Versão Internacional. São Paulo: Ed Vida. 2003, p. 11.
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