O FIM DA HISTÓRIA


Jesus Cristo, inúmeras vezes em seus discursos, fala de temas que são caros aos filósofos e sobre os quais esses estudiosos se debruçam, em reflexões, até aos dias atuais, em busca de sentido e compreensão. Cristo, no entanto, cita-os com a naturalidade de quem detém todo o entendimento e sobre os quais tem todo o poder. De acordo com a sagrada Escritura, Ele assim o faz porque é Deus (João 20:26-29; Romanos 9:5; Filipenses 2:5,6; Tito 2:11-13) e “nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Colossenses 2:3).

Em uma de suas últimas conversas com seus discípulos, por exemplo, Ele os ordena a irem por todo o mundo pregando o evangelho e dá-lhes a garantia de que estaria com eles “até o fim dos tempos” (Mateus 28:16-20). Observa-se nessa declaração de Jesus, especificamente “fim dos tempos”, uma relação com a questão da História, estudada pelos filósofos na Filosofia da História. O que é a História? Qual o seu sentido? Para esses estudiosos entender o seu “telos”, isto é, o seu sentido constitui o cerne dessa problemática.

Discorrendo sobre esse assunto, em sua obra Cidade de Deus, Agostinho de Hipona (354 - 430) fala da posição dos filósofos gregos que admitiam a existência de “circuitos de tempos, em que na natureza se renovariam e repetiriam sempre as mesmas coisas e, assim, conforme afirmam, se formaria a textura íntima das evoluções dos séculos que vêm e passam” [1]. Ou seja, para os gregos antigos a História era cíclica, uma reedição de acontecimentos passados. Eles entendiam que “o mundo apresenta como novas as mesmas coisas, tanto as passadas como as futuras” [2].

Agostinho, porém, vai discordar dos gregos e traz um novo entendimento da História: ela não cíclica, mas linear com início, meio e fim. Com o pensamento fundamentado na Escritura cristã, ele entende que “Cristo morreu uma vez apenas por nossos pecados e, ressuscitado dentre os mortos, já não morre e a morte não terá domínio sobre ele. Depois da ressurreição estaremos eternamente com o Senhor” [3]. O que esse teólogo e filósofo cristão está afirmando é que o “telos” da História é Deus. Ela acontece na perspectiva de que a humanidade tem origem divina, mas se separou dele no pecado original e, agora caminha, no tempo, para um reencontro com seu Criador no juízo final (Apocalipse 20:11-15).

Esse entendimento agostiniano da História vai vigorar por quase mil anos, quando na Renascença, período da história europeia (sec. XIV - XVII) marcado por profundas transformações culturais, sociais, econômicas, políticas e religiosas, os pensadores retomam o interesse pelo estudo dos clássicos greco-romanos. Assim a História volta, novamente, a ser entendida como como cíclica. No século XVIII, contudo, o século do iluminismo, o entendimento linear da história retorna com força graças aos estudos dos influentes filósofos Kant e Hegel. Por causa de suas ênfases na razão, eles abandonam, por definitivo, Deus dessa reflexão e passam a defender a ideia de que o “telos” da História é o progresso da humanidade.  

Mas, no século XX, esse entendimento entra em crise. As duas grandes guerras mundiais e o estabelecimento de um mundo marcado por profundas desigualdades sociais, mesmo em meio a grandes avanços na ciência e na tecnologia vão levar os pensadores a um desencantamento com aquela proposta dos iluministas. As grandes narrativas para explicar o mundo passam a ser questionadas. Os estudiosos do século XX vão concluir que a História é ateleológica, isto é, sem sentido. Ela é apenas caos, acaso, aleatoriedade e ilogicidade.

Assim, entra em crise, novamente, o esforço milenar do homem para compreender o mistério de si e do mundo. E a humanidade permanece, até hoje, sem entender a razão de sua existência no universo. Separado de Deus por causa do pecado, o ser humano insiste em buscar esse entendimento sem considerar Deus nessa reflexão. No entanto, tirar Deus do suporte à existência a torna absolutamente incompreensível, pois nada no mundo é “causa sui”, isto é, é causa de si mesmo. Tudo existe e subsiste em Deus. Essa é a tese bíblica, de tal modo que o Apóstolo Paulo, escrevendo aos Colossenses, diz que, em Cristo, foram criadas todas as coisas e que “Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste” (1:15,16). Desse modo pode-se afirmar que a inteligibilidade da existência se funda somente em Deus.

Portanto permanece inabalável o ensino de Jesus Cristo, Filho de Deus e Senhor da História. É a perspectiva do amor divino que dá sentido à História. Amor esse que fez o próprio Deus, na pessoa do Filho, entrar no tempo e abriu um caminho para a humanidade retornar a Ele (João 1:1-14; Filipenses 2:1-11). Esse caminho é Ele mesmo, o Filho, que é Deus. Por esse motivo o fim da História é Deus. E é só na História que o homem pode se reencontrar com Ele, pois naquele momento sobre o qual Jesus falou, isto é, no “fim dos tempos”, o caráter do encontro é de juízo, visto que do mesmo modo que existem muitos que reconhecem a existência e a soberania divina sobre o mundo criado, há também muitos que o rejeitam e negam seu Ser.

Antônio Maia - Ph.B, Me.Div

[1] AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Kindle Amazon, posição 10090.

[2] AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Kindle Amazon, posição 10090.


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