ESPÍRITOS EM PRISÕES
De Gênesis a Apocalipse, isto é,
em toda a extensão do texto bíblico, observa-se a existência de dois tipos de anjos.
Uns bons, que andam com Deus; e outros que pecaram e se afastaram do Criador. Todos
eles foram criados perfeitos, mas em um determinado momento de suas
existências, uma parte dos anjos se rebelou contra o Criador. Não se sabe
quando isso aconteceu. Porém, com certeza, pode-se afirmar que foi antes da
Queda do homem, pois o pecado original de Adão e Eva teve influência do
principal desses anjos caídos (Gênesis 3:1-7; Apocalipse 12:9). Atualmente, eles
vivem, segundo o texto sagrado, em meio à humanidade caída, mas outros se
encontram em prisões espirituais.
Essa questão da Queda dos seres
criados à semelhança de Deus (anjos e homens) é uma das mais complexas para a
Teologia. Por exemplo, como explicar a rebeldia desses anjos em relação a Deus,
se eles foram criados perfeitos? Outra pergunta é: porque o Criador,
simplesmente, não destruiu os anjos que se rebelaram, mas permite que eles
vivam entre os seres humanos, igualmente, pecadores e outros em prisões
espirituais? Não há, neste texto, por questão de extensão, como falar sobre a
primeira pergunta. Assim, será refletido, ainda que brevemente, sobre apenas a
segunda.
Primeiro, não há como os anjos
que se rebelaram viverem, como antes, no Reino de glória de seu Criador. Eles
foram expulsos de lá. A esse respeito, Jesus falando com seus discípulos,
disse: “eu vi Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lucas 10:18). Isso não
significa que o anjo caído foi expulso do céu na época de Jesus. O texto apenas
afirma que o Senhor o viu caindo. O autor de Apocalipse também fala da queda de
Satanás para a Terra. Segundo ele, houve uma guerra, nos céus, de Satanás e
seus anjos com o anjo Miguel e seus anjos. O texto diz que eles “não foram
suficientemente fortes, e assim perderam o seu lugar nos céus. O grande dragão
foi lançado fora... Ele e os seus anjos foram lançados à terra” (Apocalipse 12:
7-9).
Assim, os anjos caídos passaram a
viver em meio à humanidade pecadora, nessa região da Criação de Deus, onde só
há seres que se rebelaram contra Ele. Deus permite isso porque há um fim
proveitoso. A influência desses anjos que pecaram serve como mais um testemunho
da existência da realidade espiritual. Sim, porque após o pecado original, o
ser humano se desconectou do Reino espiritual de Deus e se ligou, de tal modo, ao
mundo material que, hoje, muitos afirmam que só existe a matéria e que não
existe Deus, anjos, e o mundo espiritual. Contudo, desde os primórdios da
História, há em todas as culturas e sociedades humanas a consciência de que
existe uma realidade espiritual não apenas por causa da revelação divina, mas
pela percepção de que há, de fato, seres espirituais malignos que influenciam a
vida humana.
Assim dito, observa-se, de acordo
com a Bíblia, que o mal não é eterno; ele teve uma origem. Não há um poder
maligno eterno, em par de igualdade com o divino, digladiando com Deus. O
Criador reina soberano sobre sua Criação. Tanto o bem quanto o mal existem sob
o seu controle e Ele os usa “conforme o conselho de sua vontade” (Efésios 1:11)
para o estabelecimento de seus propósitos. Por isso Deus permite que anjos caídos
circulem em meio aos homens, mas aqueles dotados de grande poder, Ele os mantém
em prisões eternas para só entrarem em cena no tempo que lhe aprouver.
Um exemplo de que os anjos caídos
influenciam a vida dos homens e, desse modo, dão testemunho de que nem tudo é
só matéria, mas que também existe um mundo espiritual é o caso dos dois
endemoniados da região dos gadarenos. O texto mostra, que era do conhecimento
dos habitantes daquela área, que dois moradores de lá eram possuídos por muitos
demônios e que Jesus os libertou. De igual modo, há inúmeros outros relatos de
exorcismos públicos realizados por Jesus, evidenciando, assim, as realidades
material e espiritual da Criação de Deus. Até mesmo os discípulos de Jesus
falam da presença de demônios em meio ao povo. Depois de voltarem das cidades
para as quais foram enviados, por Jesus, para pregar o evangelho, eles
disseram: “Senhor, até os demônios se submetem a nós, em teu nome” (Lucas
10:17).
Contudo, assim como há uma
multidão de anjos caídos em meio à humanidade, há também anjos em prisões
espirituais. O autor do livro de Judas, provavelmente o irmão de Jesus, fala de
anjos que não guardaram suas posições de autoridade e se afastaram de Deus, os
quais Ele “os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo
do grande dia” (v.6). O Apóstolo Pedro, igualmente, fala de “espíritos em
prisão, que há muito tempo desobedeceram...” (3:19 e20).
Mas, como Deus reina soberano
sobre todas as suas criaturas, até esses espíritos em prisões Ele os usa como
seus servos. É o caso do anjo caído Abadom, que em meio aos eventos da Grande
Tribulação, ele recebe de uma autoridade divina a chave do “Abismo” e o abre,
saindo, dalí, uma imensa horda de gafanhotos, que tinham poder como de
escorpiões, com a missão de ferir, por cinco meses, os habitantes da terra “que
não tinham o selo de Deus na testa” (Apocalipse 9:4). Esses seres, designados como gafanhotos por causa da linguagem
estilizada do Apocalipse, possivelmente são demônios, os quais, conforme o
texto, eram governados pelo anjo caído Abadom, que literalmente significa
"destruição" (Apocalipse 9:1,11) [1].
Do exposto, fica claro que Deus
não destruiu os anjos caídos, mas permitiu que muitos ficassem em meio aos
homens e outros em prisões espirituais por causa de seus propósitos e do
“conselho de sua vontade” por meio da qual reina soberano sobre sua Criação. A
sagrada Escritura mostra que, mesmo caídos, Deus os usa como servos conforme
seus planos, mas eles já têm um destino definido. No “dia do Senhor”, no
momento da restauração de “todas as coisas”, quando uma parte da humanidade for
destinada a viver no Reino de Glória do Senhor e a outra, aquela que desprezou a
Cristo e seus servos, destinada a viver, eternamente, com os anjos caídos, eles
serão lançados no “lago de fogo”, termo este que designa uma vida sem sentido,
sem essência original do ser criado e separado do Criador (Apocalipse 20). São
nesses termos que as sagradas Escrituras terminam.
Antônio Maia – Ph.B., M. Div.
Direitos autorais reservados
[1] BEASLEY-MURRAY, George R.
Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2009, pg 2151
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